sexta-feira, 30 de março de 2018

STF: O PIOR CEGO É AQUELE QUE NÃO QUER VER

* Honório de Medeiros


Lenta, mas persistentemente, a violência toma conta do País. Em todos os níveis, sem poupar nada ou ninguém. Age como águas que transbordam e avançam por sobre as margens do rio arrastando tudo que encontra pela frente.

Muito dessa circunstância - não toda, claro - é decorrente da forma como a aplicação das leis é percebida pela Sociedade.

Isso é algo antigo, aliás, e hoje crônico, e sedimentou-se na nossa Paideia, na nossa cultura: basta lembrarmo-nos da famosa Lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo, certo?".

O fenômeno se tornou agudo com o impacto que as redes sociais causaram nas pessoas: hoje quase tudo é do conhecimento de quase todos em tempo real, desde o sertanejo mais insulado até o pós-doutor em sua cátedra nas universidades.

O STF teve e tem um papel relevante nesse processo. Fez por onde, sistematicamente, ao longo do tempo, cristalizasse, na Sociedade, a percepção de que a Lei não é para todos, de que as elites, com raras e honrosas exceções, não podem ser tratadas como é tratado o comum dos mortais.

A sensação de impunidade, a sensação de que tudo vale, já que nada vale, há de aumentar consideravelmente com a conduta do STF no episódio da tentativa de salvar Lula da cadeia, e começa a cobrar radicalmente sua fatura: o País, dividido entre esquerda radical e direita intransigente, é o palco dilacerado onde o ódio assume, sem barreiras, o papel principal.

Aviltando-se, como ocorre, desde há muito, no exercício de sua atribuição, o STF escreve uma história canhestra, para não dizer outra coisa, e prepara o cenário para um futuro desolador, até mesmo trágico, neste ano de eleições fundamentais para o destino do Brasil.

Enquanto o crime de colarinho branco, agindo nas sombras, arreganha os dentes e prepara os botes futuros.

Como agirão as Forças Armadas? Leiam, escrito aqui, em 23 de setembro de 2017:
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2017/09/as-forcas-armadas-estao-inquietas.html

O pior cego é aquele que não quer ver.

domingo, 25 de março de 2018

ESTADO: ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS


* Honório de Medeiros

"Foi buscar lã e saiu tosquiado"

Eis a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”
“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:
- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.
- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.
- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.
- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?
- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.
- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.
- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.
“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

O lobo é a elite política; a ovelha, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Desde as grandes civilizações arcaicas, aliás: a grega, a judia, a chinesa, a hindu.

O que mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não cabe discutir o que é um Estado. Do início até hoje, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo” e enriquecer.

É o caso, por exemplo, na Lei. A elite política dissemina a ideia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos, nas guerras civis, pediram leis que valessem para todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3].

Hoje ainda é do mesmo jeito.

A Lei deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava começando, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”.

Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o império, pelo menos.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam os talentos que lhes cercam, consomem-os e os expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político:  são aqueles escalões intermediários que pululam entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, toda ela constituída de “inocentes úteis”.

Quase sempre brigam entre si os integrantes da elite política[4], mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum.

Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um problema, pois representava uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder.

Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo, Ministério Público, Tribunais de Contas, etc, etc...

Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados.

Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio político, o esvaziamento político/social.

E, obviamente, a cooptação ou exílio político se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como se espraia pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É até possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena.

Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. 

“Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política, SEJA DE DIREITA OU ESQUERDA domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo.

E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente reclamando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.