terça-feira, 2 de agosto de 2016

PALESTRA E LANÇAMENTO DE LIVRO





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"Li e recomendo. Escrita leve e articulada, traz análise consistente da política e do cangaço no Oeste Potiguar. Deve tornar-se leitura obrigatória para a história política e cultural do Rio Grande do Norte" (Professor Doutor da UERN Gilton Sampaio).

"Li e fiquei encantado. Abordagem atual de problemas antigos do cangaço, com luzes novas sobre assuntos obscuros" (Médico e Artista Plástico Etelânio Figueirêdo).

domingo, 31 de julho de 2016

O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O DIREITO ENQUANTO EPIFENÔMENO DO PODER POLÍTICO

*  Honório de Medeiros

O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O DIREITO ENQUANTO EPIFENÔMENO DO PODER[1] POLÍTICO[2][3]

1) A sociedade[4] enquanto constituída por um conjunto[5] de fatos[6] que se entrelaçam[7]. É possível identificar vários desses fatos específicos:

a)  O fato econômico;
b) O fato religioso;
c)  O fato político;
d) O fato jurídico, etc.

2) Há um método para estudar o conjunto desses fatos: o científico. Aqui se pode pensar em monismo metodológico[8], ou seja, há somente uma ciência[9], e esta pressupõe:

a)  Um Objeto;
b) Uma teoria acerca do Objeto;
c)  Uma testabilidade.

3) A ciência que estuda o conjunto dos fatos sociais é a Sociologia. O ramo da sociologia que estuda o fato jurídico é a Sociologia Jurídica.

4) O fato jurídico = campo jurídico, portanto o campo jurídico possui uma lógica (complexo de causas) que lhe é externo e que determina seus pressupostos estruturais (complexo de causas) internos (interior do campo jurídico). Para que se perceba essa realidade imagine-se um jogo de xadrez: a lógica externa (complexo de causas) estabelece quem são os participantes, qual é o jogo, quais são as regras; a lógica interna (complexo de causas) estabelece como vai acontecer o jogo a partir dessas premissas estabelecidas exteriormente. Para que se perceba a dependência da lógica interna em relação à lógica externa basta que se imagine a possibilidade desta impor novos jogadores, novo jogo, novas regras[10].

5) Essa lógica interna, campo específico da dogmática jurídica ou teoria geral do direito é de natureza técnica: diz respeito à construção dos conceitos próprios internos do campo jurídico, tais quais os de validade da norma jurídica, eficácia, hierarquia das normas, normas coativas, normas imperativas, normas permissivas, normas atributivas, bem como produção da norma jurídica, interpretação e discurso legitimador do campo jurídico ou legitimação retórica[11].

6) A sociologia política conjectura que a lógica externa que engendra o campo jurídico[12] é resultante de relações de domínio (Poder[13] Político[14])[15]. A comprovação advém da história: a história das normas sociais e das normas jurídicas é a história da imposição de regras aos dominados pelos dominantes (surgimento do Estado – a norma jurídica abstrata e geral substituindo a regra social concreta e casuística).

7) Nesse sentido o caráter hegemônico de produtor da norma jurídica que é próprio do Estado e que a história comprova, inclusive no que diz respeito ao fenômeno da recepção. Caráter de legitimação da norma jurídica por que produzida pelo Estado para mascarar a ilegitimidade do próprio Estado.

8) Sendo o Estado[16] algo que resulta da Sociedade, e sendo esta uma realidade na qual o conflito, a discordância, a divisão, a luta de classes, o confronto grupal, o dissenso é a essência, aquele somente pode surgir da imposição da vontade dos que detêm o Poder Político sobre aqueles subjugados.

9) As relações de domínio se externalizam[17] através de:

a)  convencimento: através da propaganda (mídia), retórica (O Estado Sedutor)[18];

b) constrangimento: através do poder econômico;

c)  sedução: carisma;

d) subjugação: força.

10)             No que diz respeito à subjugação o Poder Político se configura através de normas jurídicas produzidas através do aparelho estatal ou por este reconhecidas. Aparelho estatal que pode ser o Poder Executivo, o Legislativo ou o Judiciário.

11)             Sendo o Poder a fonte do Direito ele se manifesta através da produção, interpretação e aplicação da norma jurídica[19]. Podemos contar uma história do Direito a partir dessa perspectiva: como se produzia, interpretava e aplicava a norma jurídica na era arcaica, antiga, medieval, moderna, contemporânea? Para tanto é fundamental definir Poder e Norma Jurídica. Quanto a Norma Jurídica, temos que analisar o conceito de governo que lhe é inerente (território, população e governo); temos que expor e criticar suas características: soberania; tributação; força policial independente e podendo agir contra o povo a quem, até então, estava restrito a posse de armas para a defesa comum da sociedade; a norma jurídica geral e abstrata em contraposição à norma social o mais das vezes concreta e específica; a burocracia; a centralização.

12)             A ação política se exerce através do Direito. Neste caso o Direito é um epifenômeno do Poder Político. Ou, então, a ação jurídica delimita e disciplina a ação política (convicção liberal).

13)             O Poder é o parâmetro fundamental: está por trás de tudo, engendrando as soluções para transpor os obstáculos que possam surgir, ou seja, estratégias adaptativas. Não há vazio no espaço social. O Poder está sempre presente. Mudamos seus titulares por que o Poder muda de dono de acordo com fatores tais como competências circunstanciais. Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder. O que há por trás dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: o processo de seleção natural.

14)             A relação entre a esfera econômica e a esfera política é um problema de delimitação de campos, de exercício do poder por distintos meios. A relação entre moral e política é um problema de distinção entre dois critérios de avaliação de ações. A relação entre política e direito é um problema de interdependência recíproca ficando, entretanto, o poder com a última palavra.

15)             Somente há direito onde houver em última instância a força. Não há outro direito senão aquele estabelecido direta ou indiretamente reconhecido pelo poder político (Hobbes).

16)             É possível a redução do jurídico para o político, e do político para a teoria da evolução de Darwin. É possível a redução do econômico de Marx para o poder através de Darwin. É possível reduzir o Poder à teoria da evolução de Darwin.           





[1] Poder: capacidade quem alguém tem de influenciar ou determinar a conduta de outrem.

[2] Política: conjunto de ações que objetivam a conquista do Poder (último, supremo ou soberano) em uma comunidade de indivíduos sobre um território.

[3] Poder Político: poder exercido na Polis (cidade), ou seja, comunidade autossuficiente de indivíduos que convivem em um território (Estado).

[4] A sociedade é uma malha cujas linhas são as relações de domínio. Há uma lei natural social – a lei da evolução – à qual pode ser reduzida a conduta humana e que dá ao ser humano o aparato físico/mental para tecer as condições de domínio. Um fato social, qualquer que seja ele, é um conjunto de ações específicas de domínio. No modelo tradicional, o Estado legitima a norma jurídica – mas observemos que ele cria as regras que dirão quando estas são legítimas. Até onde a história pode alcançar o homem viveu em sociedade. Ele é uma anima social antes de ser um animal. Até onde a história pode alcançar sempre houve, existindo sociedade, o fenômeno do Poder. Talvez, inclusive, não seja possível o primeiro sem o segundo, devido ao instinto de sobrevivência – sobreviver é mais fácil em grupo, e onde houver grupo haverá Poder, como demonstram todas as pesquisas realizadas em Psicologia Social. O Estado, entretanto, pertence a um estágio ulterior de civilização. Neste caso há ingredientes que exigem a presença de uma força armada que aja internamente contra quem não aceita a submissão, bem como uma legislação geral e abstrata para a gestão do território e de uma população maiores, além de funcionários para cuidar dos impostos e da lei – a burocracia. O Estado é, assim, uma resposta adaptativa da espécie humana a um desafio de Poder.

[5] Os fatos teleológicamente encarados, ou seja, com um propósito específico: marxismo; darwinismo. Aparentemente sem um propósito específico: “autopoiesi”. Através de Darwin poderíamos pensar em uma evolução do mais simples ao mais complexo, sempre produzindo condições mais favoráveis de sobrevivência aos mais aptos, embora essa evolução não conduza para um progresso em termos de valores; podemos avançar para um Estado mais evoluído e pior, em termos de valores. Spencer diria que há especialização e finalidade. A teoria da dinâmica de redes proporia a “autopoiesi” (mas para quê, por que, com qual sentido?). O marxismo falaria em evolução para o comunismo. O funcionalismo ou a teoria de sistemas não se questiona acerca da causa e finalidade, tomando esse conjunto de fatos sociais como se sempre tivessem existido. Não questionar a causa e a finalidade é dar ensejo ao surgimento de uma teoria funcionalista da sociedade que advoga a semelhança entre esta e o corpo humano, no qual cada órgão cumpre uma função no sentido de se alcançar a saúde. No que diz respeito à sociedade seria a saúde social, ou paz social. O modelo funcionalista prega que assim como cuidamos da saúde de um determinado órgão para que ele não afete o todo, devemos cuidar do órgão social para que a paz não seja perturbada. Então se fala em Estado em Crise, e se defende o aperfeiçoamento do Estado. Isso conduz a soluções autoritárias por que engendra modificações nas legislações de controle. Não há Estado em Crise por que os pressupostos básicos de seu funcionamento somente são ameaçados quando há uma revolução ou guerra. Esse tipo de perspectiva oculta as causas reais dos problemas cujos reflexos são sentidos através dos aparelhos do Estado e são consequências de conflitos no âmbito da Sociedade. Uma imagem diz mais: querer consertar o Estado para melhorar a sociedade é querer melhorar o carro cujos pneus estão ruins sem ajeitar as estradas. Essa visão de Estado tem a incumbência de ocultar a realidade. É como querer resolver o problema de hipertensão através de drogas sem resolver as causas do stress.

[6] Um elemento da realidade cuja existência é incontestável e pode servir de base para o raciocínio ou hipóteses (há de pressupor um realismo crítico).

[7] Esse conjunto de fatos entrelaçados forma uma rede, uma malha, uma teia, um sistema, um tecido social. Através de liames (relações) que vão ser mais ou menos densas dependendo de certo contexto: as relações entre o fato religioso e o jurídico são mais densas no Irã que no Brasil.

[8] Dois obstáculos a esse postulado: 1) diferença ontológica entre fato social (existe por que o homem existe) e o natural (existe independente da existência do homem), superada por Émile Durkheim que propõe o postulado da identidade entre fato social e natural quanto à aplicação do método científico.

[9] A ciência dita humana ou do homem que advogue um método dialético, ou compreensivo, ou hermenêutico, vai esbarrar sempre na obrigação de submeter suas teorias ao controle da observação, para evitar a metafísica, as verdades auto evidentes, e termina caindo no falibilismo popperiano. Essa ciência parte do pressuposto de Durkheim de que fato social e fato natural se equivalem enquanto objeto de um método da ciência.

[10] Revoluções, golpes de estado, etc. Outra imagem que pode ajudar: a lógica externa fornece o terreno, o material de construção e os construtores para que seja construída uma casa; esta casa pode ter qualquer forma, mas necessariamente terá que possuir sapata, teto, paredes, e tudo quanto nela ou para ela for feito está adstrito aos parâmetros impostos do terreno, do material de construção, dos construtores...

[11] Se formos estudar o campo interno econômico teremos que construir uma teoria do salário; entretanto essa construção está necessariamente adstrita a leis que regem o campo externo tal qual a do mercado. No campo jurídico podemos pensar em algo do campo interno tal qual a definição de validade da norma jurídica, sem o qual não é possível a ideia de ordenamento jurídico. A definição de validade da norma jurídica é inerente a de ordenamento jurídico, que é inerente a de Estado, que é inerente a uma lógica do Poder Político.

[12] E o econômico, e os outros. Nesse caso há uma redução, ao político, com fulcro na Teoria da Evolução, semelhante à redução ao econômico feita por Marx com fulcro no materialismo dialético. Para além do Político e de Darwin, e enquanto pura especulação, o “medo da morte” de Ernst Becker.

[13] Tipos de poder (em “Política”, de Aristóteles): a) pai sobre o filho (patriarcalismo) – “ex natura”; b) senhor sobre o escravo (despotismo) – punição “ex delicto”; c) governantes sobre governados (poder político) – “ex contractu”.

[14] Características do Poder Político: a) critério da função: o Poder Político é a mente do corpo social; b) critério da finalidade: o Poder Político tem a finalidade de alcançar o bem comum (juízo de valor); c) critério do meio: o Poder Político se caracteriza pela utilização da força (“summa potestas”; poder soberano) que distingue a classe dominante.

[15] Podemos ver que incipiente no tráfico, no cangaço, nas comunidades nos limites das áreas urbanas, nos presídios, as tribos das eras arcaicas têm todos os elementos daquilo que irá constituir o Estado, À EXCEÇÃO DA NORMA GERAL E ABSTRATA.

[16] O Estado é um exemplo de como: a) um instrumento formal pode desenvolver-se ao longo do tempo em complexidade para suprir expectativas em relação ao manejo do Poder; b) algo pode surgir para resolver um problema específico de Poder – somente uma norma jurídica geral e abstrata daria conta de uma população maior, território maior, e complexidade de gestão maior. Uma vez surgido o instrumento se auto alimenta gerando condições para sua sobrevivência. Na verdade não é o instrumento em si, mas, sim, aqueles que o manuseiam.

[17] A categoria filosófica da “vontade” é o fio condutor para entender essa tipologia: na persuasão a vontade adere; no constrangimento, cede sem querer; na sedução, é contra, mas cede querendo; na subjugação aniquila a vontade. Conceito de vontade em São Paulo, sem o qual não haveria livre-arbítrio, inferno, Igreja impondo seu reino.
 
[18] A tendência a dizer que o Direito resolve as coisas é o mesmo que dizer que “o carro” é veloz, ou “o carro foi para a oficina”, ou seja, uma antropoformização para ocultar o verdadeiro sujeito da ação. É como quando o juiz diz: “não fui eu, foi a lei.”

[19] As normas jurídicas que aparentemente são conquistas dos menos favorecidos (do Poder, portanto, mesmo que circunstancialmente) ou aquelas que aparentemente limitam o Poder de quem o detêm são engolfadas pelos mecanismos construídos pela elite dominante – enquanto estratagemas – para assegurar o predomínio na interpretação e na aplicação. Portanto, normas como as que asseguram isonomia somente se tornam eficazes em relação aos hipossuficientes quando estes dão demonstração de força política, o que, convenhamos, é residual.