sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUEM PODE JULGAR O JUIZ?

Nélson Motta


Nelson Motta, O Globo



Quando se fala desse assunto deve-se pesar muito bem cada palavra. Basta algum juiz de qualquer lugar achar que há algo de errado, ofensivo ou calunioso nelas, e você pode ser processado. E pior, o processo vai ser julgado por um colega do ofendido. Com raras exceções, jornalistas processados por supostas ofensas a juízes são sempre condenados por seus pares.


Sim, a maioria absoluta dos juízes é de homens e mulheres de bem, mas eu deveria consultar meu advogado antes de dizer isto: o corporativismo do Judiciário no Brasil desequilibra um dos pilares que sustentam o Estado democrático de direito. Basta ver os salários, privilégios e imunidades.


A brava ministra faxineira-chefe Eliana Calmon está sob fogo cerrado da corporação por defender os poderes constitucionais do Conselho Nacional de Justiça e chamar alguns juízes de “bandidos de toga”. Embora não exista melhor definição para Lalau e outros togados que aviltam a classe.


Como um sindicato de juízes, a Ajufe está indignada porque a ministra Eliana é contra os dois meses de férias que a categoria tem por ano, quando o resto dos brasileiros tem só um (menos os parlamentares, que têm quatro). Se os juízes ficam muito estressados e precisam de dois meses “para descansar a mente, ler e estudar”, de quantos meses deveriam ser as férias dos médicos? E das enfermeiras? E aí quem cuidaria das doenças dos juízes?


“Será que a ministra diz isso para agradar a imprensa, falada e escrita? Para agradar o povão?”, questiona a Ajufe. Como não é candidata a nada, as posições da ministra têm o apoio da imprensa e do público porque são éticas, republicanas e democráticas. Porque o povão, e a elite, julgam que são justas.


Meu avô foi ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo presidente JK em 1958, julgou durante 15 anos, viveu e morreu modestamente, entre pilhas de processos. Suas únicas regalias eram o apartamento funcional em Brasília e o carro oficial. Não sei se foi melhor ou pior juiz por isto, mas sempre foi para mim um exemplo da austeridade e da autoridade que se espera dos que decidem vidas e destinos.


Nelson Motta é jornalista.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O PRESTÍGIO DO PODER JUDICIÁRIO ESTÁ EM QUEDA-LIVRE

Walter Maierovitch

Dever de vigilância do COAF contestado por Marco Aurélio e AMB

29 de dezembro de 2011

Por Walter Maierovitch (maierovitch.blog.terra.com.br)

O prestígio do poder Judiciário está em queda-livre. Está a cair mais do que as desconfianças nas finanças da Grécia, Itália e Espanha.

Os ministros Marco Aurélio Mello e a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) foram os grandes protagonistas de um descrédito jamais sentido na história judiciária brasileira republicana.

A última bola-fora diz respeito à representação proposta pela AMB e taxada como criminosa pelo ministro Marco Aurélio, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Essa representação foi encaminhada ao Procurador Geral da República, — que é o titular da ação penal pública em caso de crime–, e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle sobre desvios funcionais de magistrados não supremos: o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em causa própria evidentemente, que o CNJ não tem poder correcional sobre os 11 ministros do pretório excelso.

O motivo da “notícia de crime” contida na representação da AMB diz respeito à atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

O COAF, a pedido do íntegro ministro Gilson Dipp, então corregedor do CNJ, examinou a movimentação financeira de 217 mil funcionários públicos judiciários, incluídos magistrados. Parêntese: juízes são funcionários públicos em sentido amplo e são órgãos do poder Judiciário, em sentido estrito.

Das verificações, o COAF apontou para 3.400 casos de movimentação fora do padrão habitual. Em síntese, 3.400 servidores públicos que podem, por exemplo, ter ganhado na loteria, recebido heranças, verba de precatório desapropriatório ou vendido decisões, liminares ou de mérito. O ministro Paulo Medina, ex-presidente da AMB, foi afastado das funções, sem prejuízo de vencimentos e vantagens, por vender liminares. No caso, não foi o COAF mas o CNJ que apurou por conta própria.

O COAF, e não sabe o ministro Marco Aurélio Mello e o presidente da AMB, tem, por força de lei, o chamado “dever de vigilância”. Não é um órgão de investigação, mas de inteligência financeira. Ou seja, detecta e informa quem tem o dever de investigar.

O COAF foi criado num esforço internacional para impedir a lavagem de dinheiro e ocultação de capitais por organizações terroristas, de narcotraficantes e de criminosos poderosos e potentes espalhados pelo planeta.

Ao atender uma requisição judiciária ( o CNJ integra o Poder Judiciário), o COAF apontou para movimentação fora do padrão e sem afirmar tratar-se de consumação de crimes. Como frisado acima, o COAF não realiza investigações criminais.

Depois de conceder liminar em caso que não havia urgência e para esvaziar a atuação do CNJ, isto no apagar das luzes do ano Judiciário, o ministro Marco Aurélio prestou um novo desserviço ao atribuir conduta criminosa e referente a quebra de sigilo de magistrados. Ele confunde dever de vigilância com quebra de sigilo.

Fora isso, Marco Aurélio não quer deixar que o CNJ tome a iniciativa de investigar juízes sob suspeita de desvio funcional, como, por exemplo, venda de sentenças a traficantes de drogas, etc. E o CNJ nasceu para atuar correcionalmente.

Nessa quadro surreal de concessões de liminares sem o requisito necessário da urgência, com o ministro Ricardo Lewandowsky a impedir a continuação de correição no Tribunal de Justiça de São Paulo (em outros estados foram realizadas sem ações e liminares), deve-se lembrar que, em setembro passado, a inconstitucionalidade sobre a atividade correcional do CNJ foi retirada da pauta de julgamento pelo plenário do STF, sem oposição de Marco Aurélio Mello. E foi retirada de pauta não haver sido considerada urgente.

Pano Rápido. O ministro Marco Aurélio seria um bom candidato à presidência da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que congrega 16 mil juízes e tem no corporativismo e na manutenção de privilégios (férias duas vezes ao ano) a sua bandeira de lutas.

Sobre interpretações, como levantou o jurista Joaquim Falcão, o ministro Marco Aurélio ficou vencido em 73% dos julgamentos sobre questões de direito Constitucional no STF (confira-se: Folha de S.Paulo, edição de 20 de dezembro, página A6).

A respeito da decisão de Marco Aurélio de soltura do banqueiro golpista Salvatore Cacciola, frise-se, foi por liminar e a contrair decisões de juiz federal, do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribuanl de Justiça.