sábado, 27 de agosto de 2011

ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS



Honório de Medeiros


"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR


Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

                                               Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

                                               Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, ITO POPULAR uiado
e, " iniciar apresentando a censamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir devidamente parafraseada:

                                               Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”

                                               “Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:

                                               - “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.

                                               - “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.

                                               - “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.

                                               - “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?

                                               - “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.

                                               - “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.

                                               - “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.

                                               “E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

                                               Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

                                               Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

                                               Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

                                               Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”.  

                                               Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

                                               Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

                                               Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

                                               Vejamos o caso do Rio Grande do Norte: nos Alves, Walter Alves é filho de Garibaldi Alves filho, que é filho de Garibaldi Alves pai, que é irmão de Aluízio Alves, que foi filho de Manuel Alves, o “Seu Nezinho”, líder político em Angicos, Rn, e de Maria Fernandes, da família Fernandes, de Aristófanes Fernandes, pai de Paulo de Tarso Fernandes; nos Maia, Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que é filho de Tarcísio Maia, que é filho de José Agripino Maia, que é parente próximo da esposa de Jerônimo Rosado, iniciador da oligarquia homônima em Mossoró, todos com raízes políticas ancestrais no Rio Grande do Norte e Paraíba; Larissa Rosado, por exemplo, é filha de Sandra Rosado, que é filha de Vingt Rosado, que é filho de Jerônimo Rosado; Fábio Faria é filho de Robinson Faria, que é filho de Osmundo Faria, latifundiário parente e protegido de Dinarte Mariz, de quem foi suplente no Senado; Dinarte de Medeiros Mariz, com ascendentes que vão até o Império, era parente de José Augusto Bezerra de Medeiros; este, por sua vez, familiarmente ligado a Juvenal Lamartine de Faria, de quem Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, que é filha de Morton Mariz de Faria, parente de Dinarte Mariz, este por sua vez parente de José Augusto Bezerra de Medeiros, etc., etc..., é descendente colateral, todos com raízes que vão até o passado remoto do Rio Grande do Norte.

                                               As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

                                               Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

                                               Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

                                               Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

                                               Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

                                               Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.



[1] Jacques Le Goff.


[2] Robert Wright


[3] Nikos Poulantzas


[4] Gaetano Mosca.

2 comentários:

Marta Bellini disse...

Fantástico blog. Eu estava procurando alguém que tivesse lido o Stone (livro que estou terminando de ler) e encontrei seu Blog!
Parabéns!

Marta Bellini

jbsouto disse...

"Na hora da criação, em face das oportunidades, os lideres comportam-se como dominadores que defendem os interesses de uns poucos. E por adiar tanto transformam-se em fósseis e tornam não contemporâneo o processo histórico brasileiro. Sua política consiste na rotina administrativa. A política dos passos miúdos e vagarosos foi sempre norma geral, pois como diz o ditado "devagar se vai ao longe". Ela conduzia à conciliação, à transação, não para conceder benefícios ao povo, mas para aplainar as divergências dos grupos dominadores. Ela significava baixar a tensão política para consolidar a vitória sobre qualquer reivindicacões sociais maiores.Págs 189 e 190

Por isso as lutas não são programáticas, mas incluem a história de vários e intensos anos de conflitos pessoais entre os membros da elite. Pág 192"

Fonte:Conciliação e Reforma no Brasil; Rodrigues, José Honório