sábado, 2 de janeiro de 2010

GESTÃO PÚBLICA



Gestão Pública

Por Honório de Medeiros



Há algum tempo o Fórum Nacional da Previdência debateu os problemas da Previdência Nacional. E uma das propostas debatidas consta de um relatório elaborado por Vicente Falconi, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), de Minas Gerais, o mesmo que foi responsável, entre 2002-2006, pelo choque de gestão pelo qual passou o Governo de Minas e que culminou em zerar o déficit orçamentário, que era de 2,3 bilhões de reais, originando um saldo para investimentos de mais de três bilhões.
 
Há algo de original, quanto à gestão pública, na “doutrina” Falconi? Não. Na verdade Falconi resgata, para o setor público, o conceito “PDCA” (Planejar, Desenvolver, Checar e Agir) desenvolvido no Japão, mas criado nos EUA na década de 20, para a iniciativa privada. Agregue-se ao PDCA, mais especificamente no P, de Planejar, os famosos “o que, por que, como e quando”, que a sopinha de letras está completa e o planejamento estratégico, pelo menos no papel, aparece perfeito.
 
Na verdade, conforme a própria literatura acerca de gestão pública aponta, o grande problema está no “Checar”. Tradicionalmente as administrações públicas relegam, quando existe algum planejamento – e o mais das vezes os governos começam sem nenhum – a atividade de checar e padronizar, se tudo estiver correndo bem, ou checar e corrigir, se algo não estiver dando certo. E relegam graças a uma série de componentes dentre os quais avulta, pela importância, o despreparo e a falta de compromisso com aquilo para o qual foram conduzidos pelo voto popular.
 
Não há checagem, por que não é dado prazo para o alcance da meta. Não é dado prazo por que não há decisão política de cobrar resultados quando ele termina. Pior: mesmo que houvesse prazos, o mau gestor não seria punido, vez que a razão principal de sua presença no “staff” decorre de conchavos políticos ou premiação espúria por conduta partidária. Não há acompanhamento rígido do planejamento estabelecido por que os compromissos políticos dobram as necessidades administrativas e todo o planejamento – quando o há – rui por terra já no primeiro ano de administração.
 
Então podemos creditar o sucesso do choque de gestão em Minas Gerais à decisão política do Governador de implementá-la, contra tudo e contra todos. Acredito plenamente que deve ter importado sobremaneira a capacidade de Falconi no sentido de convencer o Governado de que era possível alcançar as metas estabelecidas se houvesse respaldo às ações a serem desenvolvidas. Caso contrario teríamos mais uma boa intenção condenada. E o inferno, dizem, está cheio de boas intenções.
 
O respaldo ao qual aludo acima é, principalmente, no sentido de punir todos quanto não estejam plenamente integrados ao planejamento. Se a checagem mostra que a meta não foi alcançada e isso não aconteceu por falta de competência ou interesse então o gestor intermediário, ou seja, o responsável terá que se afastado imediatamente sob pena de comprometer o esforço total. Esse elo da engrenagem que não funciona é como uma célula cancerosa: se não for destruída imediatamente vai originar uma metástase no futuro.
 
Portanto não há segredo. O problema é político. Embora seja necessário ressaltar: a tarefa de criar e conduzir esse processo demanda um “know-how” que não é para qualquer um. Existem ingredientes para além da “sopinha de letras” que somente são detectados, analisados e integrados por quem é do ramo: tem vocação, talento e disciplina.






DICIONÁRIO DE PARAIBÊS



Por Flaubert Lopes

Vicente Campos Filho lança “DICIONÁRIO DE PARAIBÊS” em forma de cordel

O cordelista Vicente Campos Filho lançou recentemente um folheto de cordel denominado “Dicionário de paraibês”. Em forma de versos, estão dispostos 170 termos utilizados, principalmente no interior paraibano, todos eles acompanhados de seus respectivos sinônimos.

Há cinco anos residindo em João Pessoa, o paraibano da cidade de Patos diz que se utiliza da experiência adquirida durante os seus 44 anos de vida no sertão. “Os termos regionais apresentados nesse cordel representam o que há de mais puro no vocabulário de pessoas que moram no interior”, revela Vicente Campos Filho.

Autor de mais de três dezenas de cordéis, Vicente Campos Filho distribui os seus folhetos para comercialização nas diversas lojas especializadas em produtos para turistas da nossa capital e em bancas de revistas. Ele conta que este em especial, se destina à promoção da nossa cultura entre os que visitam a Paraíba. “O Dicionário de paraibês tem sido muito bem aceito entre os turistas que aqui chegam e que buscam informações sobre a cultura paraibana. Vários outros cordéis que tenho publicado são bem aceitos. Mas este tem superado as expectativas. Tanto turistas como nativos se deliciam com os termos apresentados”.

Os cordéis de Vicente Campos Filho revelam a veia humorística do autor que diz gostar de provocar risos nas estórias contadas em forma de versos. “Gosto muito quando vejo alguém folhear um de meus cordéis e exibir um ar de riso ao ler algumas estrofes”, confessa.

Confira algumas estrofes:

"Um mau cheiro é uma CATINGA

Também pode ser INHACA

Na axila é SUVAQUEIRA

Quem fecha um botão ATACA

Quem se vai PEGA O BECO

Quem entra em casa EMBURACA.



Longe é a BAIXA DA ÉGUA

O ali é ACULÁ

Devagar é SÓ NA MANHA

Correr é DESIMBESTAR

O de cima é o de RIBA

Botar no chão é ARRIAR.



Mulher bonita é VISTOSA

Mulher feia é CANHÃO

Quem se zanga DÁ A GOTA

Quem dá bronca DÁ CARÃO

Menino que anda lento

OH... MENINO REMANCHÃO!



O otário é MANÉ

O malandro é MALAQUIA

Estar com pressa é AVEXADO

Dizer: “Vem logo” é “AVIA”

E quem se espanta com algo

Diz assim: “AFF MARIA!”.



Caprichar é DAR O GRAU

Mal feito é ARRUMAÇÃO

O que é bom é ARRETADO

O medroso é CAGÃO

Pessoa boa é FILÉ

E puxa saco é BABÃO.



Briga grande é ARRANCA RABO

Briga pequena é ARENGA

Problema grande é BRONCA

Na Justiça é PENDENGA

A mulher virgem é MOÇA

Mulher da vida é QUENGA".

O SENTIDO DA VIDA





O sentido da  vida


Por Bárbara de Medeiros

Certo dia, conversando com o meu pai, ele me perguntou, mais uma vez, qual era o sentido da vida. Inspirada, respondi que estava com uma idéia na cabeça, e falei qual era. A minha idéia era: todos nós temos uma missão aqui na Terra. Até aqui, tudo bem. Então, expliquei por que as pessoas morrem ou cedo, ou tarde demais. As que morrem cedo passam desta para melhor, pois já completaram a missão, não têm mais nada para resolver. Se estão livres, porque continuariam mais um dia que fosse aqui, onde não tem mais absolutamente nenhuma questão para resolver? Já as que morrem tarde, ou ainda estão aqui, mesmo doentes e sem possibilidade de falar, andar ou fazer outras coisas, como minha própria avó, deve ser porque não completaram a missão, e talvez ela só possa ser concluída se elas realmente morressem mais tarde, tendo deixado sua marca neste mundo. Para comprovar a minha pequena ‘tese’, utilizei alguns exemplos: Uma das minhas amigas, que morreu quando eu e ela tínhamos ambas apenas três ou quatro aninhos. Ela deve ter ido tão cedo porque já tinha cumprido sua missão, seja a mais besta ou a mais poderosa. E essas pessoas que ainda estão vivas, independentemente da idade ou qualquer outra coisa, é que não podem ir embora deixando negócios pendentes na Terra. E, além do mais, também criei uma explicação para aquelas pessoas que se suicidam. A razão delas se matarem é porque alguém já resolveu, sem querer, a missão delas aqui nesse mundo. Com isso, sem razão para viver, elas se matam. Se você perguntar a qualquer pessoa que esteja querendo se matar, com sintomas de depressão e outras coisas, ela vai lhe dizer que quer morrer porque não vê mais sentido em continuar viva aqui na Terra.

Bárbara tem onze anos.









quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FELIZ 2010!




A TODOS OS AMIGOS E LEITORES DESTE BLOG

DIÁRIO DE VIAGEM



No avião, para Salvador, ouço a gargalhada de Bárbara.

"O que foi?"

"Rubem Alves disse aqui que 'o trabalho intenso faz mal à criatividade."

"Eu acho", digo. Lembrei-me de Aristóteles, que dizia não haver filosofia sem ócio.

Ou seja, se quisermos ser criativos, sejamos vagabundos.

Viva a vagabundagem!

PS: O livro do grande Rubem Alves é "Ostra Feliz Não Faz Pérola", editora Planeta, coletânea de crônicas. Livro muito agradável.

E chegamos.  Cadê a moça que nos vinha pegar no aeroporto? Tudo pago, tudo acertado?

Bárbara liga para ela: "Linda" - o nome é esse mesmo - "cadê vc?"

"Quem é?", pergunta uma voz sonolenta do outro lado do celular,  pelas 8:30 da manhã.

"Eu, Bárbara, que lhe contratei para fazer o traslado do aeroporto para o hotel".

"Ihhh! Bárbara, passou pela cabeça. Guenta a mão que eu tô chegando".

É a Bahia, meu Rei!




quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PEQUENAS FÉRIAS!




De pernas para o ar, em Salvador.

Tudo meio lento, devagar-quase-parando.

Afinal, estamos na Bahia, meu Rei!

Honório de Medeiros

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A CASA GRANDE DA FAMÍLIA DIÓGENES EM PEREIRO, NO CEARÁ

Após ver as fotos, leia a Crônica no "Post" abaixo

Fotos por Honório de Medeiros


Observem o tamanho e o tipo das chaves dos quartos



A chave em contraste com um mosaico do piso



O nome do fundador da família no Brasil




O quarto das celas



Cumeeira



A Casa Grande da Família Diógenes em Pereiro, Ceará



A Castelã ladeada pelo filho mais velho e um neto

A ESTRANHA PEREIRO - II



Pereiro, Ceará

Por Honório de Medeiros
 
Do final do século XVIII, e construída com areia trazida a pé, pelos escravos, do leito do rio Jaguaribe, a cem quilômetros de distância, a Casa Grande da Fazenda Trigueiro, postada próxima à margem da estrada entre São Miguel, Rio Grande do Norte, e Pereiro, Ceará, impressiona quem a vê desde a distância. “São trinta e oito compartimentos”, diz-nos Zé Denis, filho mais velho de Dona Deocides, a viúva Castelã. “Todos imensos”, penso eu, ao ser levado a cada um deles. “Imensos na largura e na altura”.

Peço à cozinheira para ficar próximo à janela da cozinha. Uma vez fotografada, dará uma noção do tamanho da janela – bem maior que ela, que deve ter um pouco mais que um metro e meio. Excetuando a cozinha, todos os outros compartimentos do térreo não têm janelas para fora e se comunicam com os vãos centrais. Se houvesse um ataque – índios, antes, cangaceiros, depois – a única porta que permite o acesso ao interior da casa seria fechada, todos subiriam para o andar superior – no qual ficam as janelas – e a defesa estaria garantida. “A porta funciona como uma ponte levadiça de castelos medievais”, eu digo, observando a chave imensa que a fecha, trazida, da Suíça, na época da construção.

As paredes têm quase um metro de largura. Ocultam segredos ancestrais, como ossos humanos, restos mortais de pessoas emparedadas sabe-se lá quando nem por que, semelhantes aos encontrados certa vez, quando se tentou estabelecer uma comunicação entre dois compartimentos. “Naquela época”, diz-nos Zé Denis, que já foi vereador em Pereiro, mas hoje se dedica a tomar conta da propriedade e da mãe, “como não havia “campo santo” (cemitério), as pessoas mais importantes eram sepultadas assim, acho que seguindo o exemplo das igrejas.” Cada detalhe chama a atenção: são biqueiras para escorrer a água da chuva, de cobre, reproduzindo a boca de um tubarão, também vindas da Suíça; os arabescos da cumeeira da Casa que, nos cantos, lembram um “s” deitado, mas, na realidade, são uma letra grega; a “sapata” – base na qual se assenta todo o imóvel -, que na parte anterior, dando para uma área enorme, como se fosse uma praça de chão batido, em torno da qual todas as construções são postadas, deve ter quase dois metros de altura. É o sótão, um andar inteiro, onde os escravos aguardavam, noite afora, o momento de sua morte, não por outro motivo denominado “quarto dos suplícios”...

“Noite de chuva, as tábuas rangendo, o barulho do vento, que tal Zé Denis”, pergunto. Ele fica sério. “Está vendo aquela casa ali do lado?” “Claro”, respondo. “Na década de oitenta fomos morar nela. Ficou insuportável viver aqui. Batiam as portas, rangiam as tábuas, as luzes apagavam inexplicavelmente, ouvíamos lamentos, arrastar de passos, desapareciam as coisas.” “Frei Damião”, prossegue, “esteve em São Miguel para uma de suas Missões e conseguimos falar com ele que veio aqui e realizou um exorcismo. Só assim pudemos voltar.” “Tinha que ser em Pereiro”, pensei ao me lembrar do episódio do cemitério, relatado antes. “Ficou tudo resolvido?” “Melhorou muito, mas ainda ontem, por duas ou três vezes, na hora do almoço, alguém bateu palmas e me chamou pelo nome, insistentemente. Quando eu saía para o pátio era o canto mais limpo.”

Dona Deocides nos mostra o local da sala onde estão as fotografias da família. Uma me chama imediatamente a atenção. Em sépia, os contornos de Dona Carolina Fernandes, viúva de Manoel Diógenes, o português construtor da Casa Grande da Fazenda Trigueiro. Uma Fernandes, assim como os da Casa Grande da Fazenda São João, em Marcelino Vieira; e os da Casa Grande da Fazenda Sabe Muito, em Caraúbas, as três maiores do Alto Oeste, salvo engano. Todos ligados por laços de parentesco com Matias Fernandes Ribeiro, o genro do fundador de Martins, Francisco Martins Roriz, e de sua esposa Micaela.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A BLINDAGEM DO COLARINHO BRANCO: A LEGISLAÇÃO SATIAGRAHA



Arnaldo Esteves Lima

Deu no Valor

Cristine Prestes, colunista

28/12/2009

Nas últimas semanas, duas decisões da Justiça garantiram uma importante vitória a empresários que respondem a processos judiciais por lavagem de dinheiro no Brasil. As defesas do empresário Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, e dos responsáveis pelo fundo MSI, acusado de usar o Corinthians para lavar dinheiro, conseguiram afastar temporariamente o juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, dos processos gerados pelas operações Satiagraha e Perestroika, respectivamente.

As decisões foram tomadas pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no caso de Dantas, e pelos desembargadores que compõem a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, no caso do MSI, e na prática impedem o juiz De Sanctis de determinar qualquer medida nas duas ações penais sob sua responsabilidade. As liminares foram concedidas diante dos chamados pedidos de exceção de suspeição – recursos nos quais a defesa dos acusados alega falta de imparcialidade do juiz da causa para julgar os processos.

Ainda que o recurso traga, em seu nome, a palavra “exceção”, vem se tornando regra desde que os casos gerados pela atuação mais ofensiva e articulada da Polícia Federal e do Ministério Público na investigação de crimes do colarinho branco – cujo auge foi a Operação Satiagraha, deflagrada em julho de 2008 com a prisão de Dantas – passaram a cair nas mãos do juiz De Sanctis, que coleciona pedidos de suspeição contra si.

A nova estratégia elaborada pela defesa dos acusados de crimes do colarinho branco vem ganhando respaldo na Justiça, embora ainda dependa de confirmação tanto no STJ quanto no TRF. Em ambos os tribunais, colegiados de magistrados terão que decidir pela aplicação literal da lei em vigor, que prevê o afastamento do juiz no caso de relação profissional, de aconselhamento, parentesco ou amizade com o réu; ou pela extensão da possibilidade com uma interpretação mais ampla do que estabelece o atual Código de Processo Penal.

Mas, a depender do Congresso Nacional, em um futuro breve a defesa dos réus de crimes do colarinho branco ganhará um reforço de peso. Um projeto de lei idealizado pelo presidente do Senado, José Sarney, e elaborado por uma comissão de juristas convocada pelo senador promove profundas alterações no Código de Processo Penal brasileiro.

Prevista para ser votada no início do próximo ano legislativo, a “Legislação Satiagraha” engendrada por Sarney, a pretexto de modernizar uma lei datada de 1941, constrói uma verdadeira blindagem aos réus de ações penais no Brasil. O projeto enfraquece e esvazia a primeira instância da Justiça com mecanismos que facilitam o afastamento de juízes por suspeição, reduz drasticamente suas funções no processo penal e permite até mesmo que a defesa do réu faça uma investigação paralela, identificando fontes e entrevistando pessoas.

Uma das principais inovações do Projeto de Lei nº 156, de 2009, é a criação do inédito juiz de garantias. É ele quem passará a receber do Ministério Público pedidos de medidas cautelares para a produção de provas que sustentem a denúncia – como buscas e apreensões, interceptações telefônicas e quebras de sigilo fiscal e bancário. Ao juiz da causa caberá apenas julgar o processo – ainda que não tenha participado da chamada fase de instrução, quando são produzidas as provas. O argumento dos que defendem a criação do juiz de garantias é o de que, no momento em que julga o processo, o juiz da primeira instância já está “contaminado” por opiniões formadas durante a fase de instrução, quando defere as medidas cautelares. Ainda que isso seja verdade, até mesmo advogados criminalistas simpatizantes da ideia admitem que uma das consequências dessa separação possa ser simplesmente a falta de provas para sustentar uma sentença condenatória – mesmo que o juiz da causa tenha a convicção de que houve o crime.

Já distanciado da instrução do processo, o juiz da primeira instância, pelo texto do Projeto de Lei nº 56, também poderá se tornar passível de uma avalanche de decisões judiciais a determinar seu afastamento da causa. Com a inserção de apenas um parágrafo na atual legislação, o projeto amplia sobremaneira as chances da defesa de pedir a suspeição do juiz ao propor um texto que, na linguagem jurídica, é chamado de “dispositivo aberto”, ou sujeito a diversas interpretações na Justiça. Diz o texto do projeto que o juiz pode ser afastado do processo “se mantiver relação jurídica de natureza econômica ou moral com qualquer das partes, das quais se possa inferir risco à imparcialidade”. Não será necessária muita criatividade para aplicar o dispositivo.

Se ainda restam dúvidas a respeito da intenção do Projeto de Lei nº 156, seu artigo 24 é derradeiramente esclarecedor. Prevê que “quando o investigado exercer função ou cargo público que determine a competência por foro privativo, que se estenderá a outros investigados na hipótese de crimes conexos ou de concurso de pessoas, caberá ao órgão do tribunal competente autorizar a instauração do inquérito policial e exercer as funções do juiz das garantias”. Na prática, significa que todos os réus que respondem a processos penais ao lado de pelo menos um que tenha foro privilegiado por conta do cargo que ocupa garantirão o mesmo benefício. Significa também que a polícia e o Ministério Público só poderão instaurar inquéritos contra os detentores de foro privilegiado mediante autorização da instância competente para julgá-los – o Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de deputados, senadores, presidentes, ministros de Estado etc.

O projeto de Sarney é um duro golpe na já quase inexistente possibilidade de punição do crime do colarinho branco no Brasil, que não raro envolve detentores de cargos públicos. Caso seja aprovado no Congresso, passa a ser do Supremo a competência para julgar boa parte dos processos penais por crimes econômicos no país. Dos poucos que restarem, saliente-se, pois só será investigado quem o Supremo quiser.

O CASO ABDELMASSIH



Roger Abdelmassih

Deu na Folha de S. Paulo

O caso Abdelmassih

De Fernando de Barros e Silva:

Vamos começar fazendo três perguntas: 1. Quantas pessoas estão encarceradas hoje no país, em regime de prisão preventiva, sem que ainda tenham sido julgadas? 2. Quantas, entre as pessoas que se encontram nessa condição, chegam a ter seus pedidos de soltura apreciados pelo Supremo Tribunal Federal? 3. E quantas conseguem ver seu caso atendido em apenas quatro meses pelo presidente da mais alta corte do país?

A resposta talvez conduza à conclusão de que o doutor Roger Abdelmassih é um homem de sorte. Ou que pagou os advogados certos. O jornal "Le Monde" tinha razão, mas pegou leve ao dizer que nosso Judiciário é "preguiçoso". Às vezes, só às vezes, é ágil até demais.

O habeas corpus de Gilmar Mendes, que, no recesso da Justiça, libertou o médico acusado de molestar sexualmente pelo menos 39 mulheres, causa óbvio mal-estar.

As vítimas (supostas?) depositavam na expertise do doutor a esperança de engravidar -e a situação de vulnerabilidade física e emocional em que foram atacadas, conforme os relatos, confere ao escândalo feição especialmente repugnante.

"HABEMUS GILMAR"



Gilmar Mendes

Deu em O Globo


De Elio Gaspari:

Pindorama tem dois tipos de presos. Aqueles que gramam a cana e os que ganham habeas corpus quando o doutor Gilmar Mendes responde pelo expediente do Supremo Tribunal Federal.

O médico Roger Abdelmassih foi preso no dia 17 de agosto e seus advogados conseguiram soltá-lo porque pediram um habeas corpus quando o tribunal estava em recesso e o pedido foi à mesa do doutor Gilmar.

O mesmo tribunal já negara um habeas corpus ao mesmo doutor, em decisão tomada pela ministra Ellen Gracie.

Abdelmassih não é um Daniel Dantas qualquer. Ele carrega no seu prontuário 56 acusações de estupro. O doutor garantia às clientes que em sua clínica não usava embriões de "qualquer neguinha de rua".

DISTINÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA



Miyamoto Musashi

"Lu Tzu, ou Lu Hsiang Shan (jap. Riku-shi): filósofo chinês (1139-93) cujo pensamento se opunha ao de Chu Hsi (1130-1200). De acordo com Lu Tsu, não há distinção entre princípio e força material" ("Musashi"; Eiji Yoshikawa).

RUI AZEREDO PERGUNTOU, ENRIQUE VILA-MATAS RESPONDEU



Enrique Vilas-Mata

Rui Azeredo, jornalista e revisor literário e agora “bloguista” (http://portalivros.wordpress.com/). Foi durante treze anos jornalista em “O Comércio do Porto”. Passou por várias secções e quando o jornal fechou em 2005 era sub-editor de “Cultura”. Já agora, quando o “Comércio” fechou, em 2005, foi trabalhar para as Edições ASA como revisor. Hoje em dia é revisor literário “freelancer”:

"Enrique Vila-Matas, entre outras obras, é o autor de “O Mal de Montano” (Teorema), uma obra que vagueia entre o diário íntimo e o romance, a viagem sentimental, a autoficção e o ensaio. Acima de tudo é um livro sobre literatura, uma homenagem à literatura em todas as suas vertentes. Trata-se de uma obra difícil de classificar, já que tão depressa se está dentro do pensamento do narrador como se passa para a descrição de uma viagem. O escritor catalão explicou a génese e, de certa forma, o conteúdo de “O Mal de Montano.

Rui Azeredo - O seu romance “O Mal de Montano” é absolutamente original e inovador. Foi algo predefinido ou essa já era a ideia inicial?

Enrique Vilas-Mata - Telefonaram-me para casa de uma instituição de Madrid chamada Fundación de Ciencias y de la Salud, da qual nunca tinha ouvido falar. Queriam convidar-me para uma conferência sobre “literatura e doença”. Ouvi as suas repetidas mensagens no gravador do telefone, mas não queria responder porque pensei que era uma instituição que pretendia que fosse a Madrid para me convencer a deixar de fumar. Assustavam-me. Enviaram-me uma carta a dizer que me pagavam para fazer a conferência. Nunca me tinham oferecido tanto dinheiro por uma intervenção de uma hora. Aceitei, mas não sabia de que doença haveria de falar. Uma amiga disse-me para falar de literatura e loucura. Decidi falar de literatura e de alguém que sofria da doença de literatura, que não podia viver sem ela. Era alguém o mais oposto possível a um “Bartleby”, ou seja, o mais oposto a alguém que deixou de escrever ou de se interessar apaixonadamente pelo literário. A conferência – quinze páginas – foi dando origem ao livro, sobre o qual ignorava tudo quando comecei a escrevê-lo."

"OS TRABALHOS E OS DIAS" (FRAGMENTOS); HESÍODO



Hesíodo

Tradução do grego arcaico por Mary de Camargo Neves Lafer


“Convida quem te ama para comer e deixa quem te odeia
sobretudo convida aquele que mora próximo de ti,
pois se alguma coisa estranha acontecer em teu lugar
os vizinhos sem atar o cinto acorrem, os parentes, não.
Flagelo é um mau vizinho, quando um bom vantagem é.
Tem fortuna quem tem a fortuna de um bom vizinho ter;
nem um boi só morreria se mau não fosse teu vizinho.
Mede bem o que tomas de teu vizinho e devolve bem
na mesma medida, ou mais ainda, se puderes,
para que precisando depois o encontres mais generoso.
Não faças maus ganhos, maus ganhos granjeiam desgraça.
Ama a quem te ama e freqüenta quem te freqüenta;
dá a quem te dá e a quem não te dá, não dês.
Ao que se dá se dá e ao que não dá, não se dá.
(...)
Nem mulher de insinuadas ancas te engane a mente
palreando provocante com o olho em teu celeiro;
quem em mulher confia em ladrões está confiando.
(...)
Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo,
assim faze: trabalho sobre trabalho trabalha.”

Leia mais em http://greciantiga.org/:

"Hesíodo é o mais antigo poeta grego de que se tem notícia com alguma certeza. Pode-se situá-lo com razoável grau de confiabilidade no início do Período Arcaico mas, a rigor, não há nenhuma evidência tangível de sua existência histórica, salvo informações contidas em sua própria obra.

A poesia hesiódica insere-se no âmbito da poesia épica e, assim como os poemas homéricos, representa a culminância de um longo período de evolução das tradições orais. Na Antiguidade, Hesíodo era tão considerado quanto Homero.

As informações biográficas de que dispomos foram fornecidas pelo próprio Hesíodo em uma de suas obras, Os Trabalhos e os Dias. O poeta viveu em Ascra, na Beócia, no final do século - VIII ou início do século - VII (c. -700), período de crise agrícola e social. O pai era um imigrante de Cime, na Ásia Menor, que se tornou agricultor e vivia com dificuldade de uma pequena propriedade rural próxima do Monte Hélicon. Teve vários litígios com um irmão, Perses, a respeito da divisão da herança paterna.

A exemplo do pai, Hesíodo viveu de sua pequena propriedade rural, mas parece ter recebido treinamento de rapsodo e certamente conhecia os poemas homéricos. A tradição lhe atribui a vitória em um concurso de poesia nos jogos fúnebres de Anfídamas, em Cálcis (Eubéia).

Como os poemas homéricos, sua obra parece ser uma coletânea de mitos e tradições conservados oralmente — no caso, tradições da Beócia, região em que viveu. Hesíodo foi, no entanto, o primeiro a utilizar suas próprias experiências como tema de poesia e a cantar a vida simples do homem do campo.

Dois de seus poemas chegaram integralmente até nós, a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias. Temos também um longo trecho de outro poema a ele atribuído, o Escudo de Héracles, certamente composto em época bem mais tardia (século - VI). De outras obras que na Antiguidade também foram conservadas sob seu nome, como o Catálogo das Mulheres, restam apenas fragmentos.

A Teogonia conta a formação do mundo (cosmogonia) e a origem dos deuses (teogonia) e heróis; é um verdadeiro catálogo de deuses. O formato utilizado por Hesíodo nessas obras têm paralelo em textos hititas de -1400/-1200 e textos babilônicos ainda mais antigos. Em Os Trabalhos e os Dias o poeta relata seus problemas legais com o irmão Perses, fornece informações minuciosas sobre a agricultura, e discorre sobre a importância da justiça e do trabalho.

Devido ao contraste entre as duas obras, há ainda uma certa controvérsia quanto à atribuição da autoria da Teogonia, de tema bem diverso de Os Trabalhos e os Dias, a Hesíodo.

Numerosos manuscritos e fragmentos de papiros com os poemas hesiódicos chegaram até nós.

Assim como Homero, Hesíodo usou basicamente o dialeto iônico e os versos hexâmetros datílicos característicos da epopéia. Certamente conhecia os poemas homéricos, pois os epítetos épicos e expressões formulares que utilizou são semelhantes; mesmo o vocabulário lembra muito a poesia de Homero.

Mas enquanto que estruturalmente a poesia hesiódica se assemelha à homérica, a temática tem ao mesmo tempo uma distância pequena e grande. Pequena, se considerarmos a Teogonia: Homero recorre frequentemente a narrativas míticas; Hesíodo preocupa-se em agrupar os deuses e heróis em um catálogo organizado e inteligível. Grande, se considerarmos os Trabalhos e os Dias: Homero canta a vida e os problemas dos aristocratas; Hesíodo descreve a dura vida quotidiana dos camponeses, suas preocupações e problemas. As nítidas e precisas imagens que evoca, inclusive, indicam conhecimento pessoal e profundo da vida rural e de seus problemas.

Quanto ao estilo e à finalidade da poesia, o contraste é profundo. Hesíodo tem estilo didático e pessoal, bem distante da "grandiosidade" e impessoalidade de Homero. Enquanto que o poeta da Ilíada e da Odisséia nada fala de si mesmo e descreve os festins e as guerras dos aristocratas a uma audiência de aristocratas, Hesíodo identifica-se, usa quase sempre a primeira pessoa, dá opiniões. Mais que simplesmente divertir ou distrair, sua poesia têm uma nítida função didática, a exemplo dos antigos textos sapienciais das civilizações sumeriana, egípcia e babilônica."